Depois de mais um curso visando meu aprimoramento no vasto
mundo do flamenco cheguei a algumas conclusões que gostaria de compartilhar. A
maioria delas é baseada numa frase da bailaora Eliezer La Truco, que disse “o
flamenco não é perfeito assim como as pessoas são imperfeitas”.
Fazer aulas é algo enriquecedor. É muito bom expandir os
horizontes sejam eles físicos ou intelectuais. No caso da dança, é bom ver
outros corpos se mexendo, conhecer novas possibilidades de movimento e novas
soluções para os mesmos problemas, aprender novos caminhos. É interessante ver
como o outro corpo se movimenta pelo espaço e o que o faz se mover. Aprender
novos gestos, novos conceitos, novas possibilidades. Ampliar a percepção do
outro, do espaço ao nosso redor, aguçar os sentidos, ouvir a música, prestar
atenção no que está acontecendo naquele momento e em nada mais, poder errar.
Quando estamos no palco ou no ensaio da companhia ou numa
situação em que somos os “profissionais” o erro vira um ser temido que é quase
sempre rechaçado com veemência. É bom poder errar, pois o erro faz parte do
processo de aprendizado. Permitir-se errar nos liberta da autocrítica limitante
e opressiva. Que reconfortante ouvir alguém dizendo para não ficar contando os
tempos musicais enquanto se dança ou dizer que o que importa é tentar e não
simplesmente acertar. O acerto vem da tentativa e a tentativa pressupõe o erro.
Mais importante do que isto, às vezes, fazer o "passo certo" não é o melhor. No
caso da arte, ceder lugar para a emoção, para os sentimentos ou deixar-se conduzir
por eles nos leva a locais que são muito mais profundos, comunicativos e expressivos
do que a técnica perfeita. Óbvio que este tipo de proposta só surge depois que
o professor já deu duas horas de aula de pura técnica, mas é bom nos libertar
da pressão do "fazer a coisa direito". Como é bom quando podemos nos movimentar
sem ficar pensando “o que os outros vão achar”. Que se danem os outros! As
pessoas são um grande mar de decepções.
É importante também sair da nossa zona de conforto,
colocar-se à prova, testar-se, superar limites e criar novos objetivos. São
comportamentos tão comuns na primeira infância, quando estamos descobrindo o
mundo e que vamos tristemente perdendo ao longo da vida. Os erros que vamos
cometendo pelo caminhar acabam nos impedindo de seguir em frente ou de tentar
novamente. Como é bom ouvir que o erro faz parte do processo e que não devemos
dar tanta importância a ele. Errar nos permite aprender, conhecer e, a partir
disto, crescer. Não tem um ditado que
diz que é errando que se aprende? Se este é o caminho natural para o
conhecimento porque tornamos o equívoco algo tão temível, castrador, limitador?
Outro professor espanhol que esteve em Porto Alegre em 2012,
David Paniágua, disse que o importante para o artista que vai subir ao palco é
“desfrutar” daquilo que está fazendo naquele momento. Quando nos preocupamos
menos com o erro, ele tem menos possibilidade de acontecer. Além disto, se
errarmos, por já termos passado por situação semelhante durante os ensaios e as
práticas que antecedem à cena, já saberemos solucionar o problema e seguir
dançando a música, seguir comunicando, cativando, instigando, arrancando “olés”
da plateia. Comprovei isto na prática. Permitir-se errar é a melhor forma de prevenir
que o erro aconteça e de estar “inteiro”, mental e corporalmente disponível na
cena. Aliás, só erra aquele que se arrisca a ir além daquilo que já conhece ou
sabe. Quem vive sempre fazendo as mesmas coisas, testando as mesmas coisas,
dançando as mesmas coisas sempre do mesmo jeito não erra, porém não acrescenta
nada de novo à sua vida nem aos outros. Viver sempre na nossa zona de conforto
é contentar-se com uma vida de mediocridade e com um resultado cênico significativamente
pobre. É claro que o local de testar novas coisas é a sala de aula, o ensaio, mas muitas vezes nos "travamos" tanto nestas horas que não ficamos disponíveis para o novo e acabamos levando para a cena aquilo que já conhecemos. Aprender a ficar disponível para o novo é algo fundamental para o artista.
O conhecimento é algo que ninguém pode tirar de nós. Bem, só
se este alguém for o mal de Alzheimer ou outra doença degenerativa tão grave
quanto esta. Se tivermos saúde mental e, no caso da dança, corporal até o fim
das nossas vidas, nada nos tirará aquilo que conquistamos com suor, tentativas
e erros. O que retemos, o que apreendemos do convívio com os outros depende de
nós e não dos outros, depende da nossa vontade de aprender, da nossa
predisposição para o erro e para o consequente acerto. E este conhecimento que construímos
independe de que nossos maestros ou as pessoas que nos fizeram conhecer algo
além do que sabíamos lembrem que nos fizeram este bem. Eu me tornei uma pessoa,
bailarina, bailaora melhor depois da experiência, se os outros lembram de mim
ou não é problema deles. Eu cresci enquanto profissional e isto me basta por
hora.
Até porque as pessoas não são tão boas quanto pensamos que
elas são. Sempre vai ter aquele que é lembrado porque tem mais dinheiro, porque
puxa mais o saco, porque chora e se emociona com tudo que o professor fala,
porque dança muito bem para o pouco tempo de estudo, porque é uma possibilidade
de novos contatos de trabalho, porque, na visão do professor, é melhor do que
você. Enfim, cada um lembra daquilo que julga importante para si mesmo. Cada um
de nós possui seus próprios filtros para toda a informação que nos chega e cada
um cataloga e guarda aquilo que acha relevante. É triste, mas nem sempre
pessoas que nós julgamos importantes e relevantes em nosso crescimento
profissional irão lembrar que fizeram parte desta nossa caminhada. Nós ainda
não podemos controlar a mente das pessoas e dizer o que elas devem lembrar ou o
que elas não devem lembrar, falar, pensar, dizer... Aliás, graças a Deus que ninguém
inventou algo capaz de fazer isto.
Enfim, errar é humano e aprender com o erro é sabedoria, conhecimento que, por sua vez, nos liberta e engrandece enquanto profissionais e seres humanos!
Poderias ter "lembrado" a maestra. Mas isto não faz parte da tua maneira de ser.É um aprendizado. Somos importantes porque nos respeitamos e respeitamos os demais. O conhecimento só é legítimo se nos torna melhor no que fazemos. Tu absorveste "tudo" .És uma bailarina admirável e uma pessoinha melhor ainda. Abs
ResponderExcluirObrigada, Mara. Realmente, não quis lembrar a maestra. Deixa assim. Ela deve ter as razões dela para não lembrar. Bjs
ResponderExcluirQue texto mais bem escrito. Entendo o que você quis dizer e o que estás sentindo. Segue trabalhando porque és muito talentosa. O resultado vem com o tempo e não depende de um professor, depende só de você. Precisamos sempre nos arriscar MESMO!
ResponderExcluirBeijos
Marilyn, sou jornalista de formação e atuei alguns anos na área antes de me dedicar exclusivamente à dança. Obrigada por ler estas minhas modestas linhas. Bjs
ExcluirSe dedicar REALMENTE a algo, debruçar-se sobre o assunto porque aquilo te apaixona e te dá alegria. Trabalhar horas e ter como recompensa a satisfação de ter esculpido um tantinho mais a pedra bruta, não uma auto-publicidade MENTIROSA em redes sociais ou coisa do tipo. ISSO SOMENTE deveria ser motivo para ser lembrado. É claro, se estivéssemos num mundo ideal.
ResponderExcluirQue aqueles que creem na inocência humana (ou hipócritas em pele de cordeiro, melhor dizendo) me perdoem, mas eu penso que certas pessoas FAZEM FORÇA SIM para não lembrar de outras. Ou seja, lembram, mas fazem de conta que não lembram. Os motivos podem ser os mais variados, mas em geral giram em torno da "egorragia" de cada um: "ah, fulaninha não me adulou, não me deu presentinho e quando eu pedi críticas sobre o meu trabalho, não falou que tudo estava perfeito. Ah, e também não é dona de escola. Então, vou ignorar." E ponto final. Essa é a verdade sim.
Concordo com vc, Giovani. Infelizmente, acho que herdei dos meus pais mais do que que a genética. Herdei este jeito "caxias" de ser profissional. Além do mais, o dinheiro move o mundo e tem muita gente na merda pelo mundo afora "matando cachorro à grito" como se diz por aí e fazendo de tudo para trabalhar.
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