quinta-feira, 3 de maio de 2018

REPENSANDO A MINHA DANÇA

Reconhecimento, valorização, gratidão, pertencimento, palavras que estão girando na minha cabeça desde a semana passada. Mais que palavras, sensações provocadas por eventos que presenciei e, de certa forma, fui parte.
Começando pelo lado bom, fui assistir ao espetáculo Maestranza do Tablado Andaluz, escola na qual estive por quase 15 anos (saí de lá em dezembro do ano passado, teria completado 15 anos em maio de 2018). Já na entrada do estacionamento, tive a primeira experiência interessante da noite, quando o funcionário do local me olhou e disse: Mas tu não é bailarina? Que coisa feliz quando alguém me acha com cara de bailarina. Não sei se tenho o corpo, a técnica, a expressão, enfim, o aparato necessário para ser de fato bailarina, mas, pelo menos, o desejo e o rosto eu tenho. Bom, voltemos ao teatro, tive um misto de sensações ao sentar naquela poltrona. Em alguns momentos, vontade de estar no palco celebrando o que seriam meus 15 anos naquele grupo, em outros, a felicidade e tranquilidade de estar do lado de fora, apenas assistindo aos novos rumos que a escola e companhia estão tomando. Continuando com as experiências, outras pessoas me reconheceram, perguntaram se eu também não ia dançar. Foi bom. É bom saber que as pessoas relacionam teu nome, tua fisionomia com algo a que tu te dedicas há anos, neste caso, o flamenco. Muito além disto, fiquei imensamente feliz quando ex-alunos vieram me dar um abraço carinhoso, alguns até agradeceram pelos ensinamentos que os ajudaram a estar ali naquele palco vivendo aquele momento. Reconhecimento, gratidão, valorização... Foi muito bom receber tudo isso.
Foi bom porque estava desde a última sexta, quando fui no lançamento do livro de 10 anos do Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre, sentindo-me um peixe fora d'água. Eu estou no livro, fui uma das alunas da primeira turma do grupo lá em 2008, participei de dois espetáculos Folias Fellinianas e ...ou algo assim que me intrigue, porém, poucas pessoas lembram da minha passagem por lá. As pessoas se surpreendem quando digo que fui do grupo. Pode ser porque saí do grupo e nunca mais voltei nem como aluna, nem como professora, nem em qualquer outra função que pudesse ser interessante para mim ou para o grupo. Pode ser porque eu não seja a pessoa mais política e simpática do meio da dança de Porto Alegre, o fato é que muitos dos meus colegas daquela turma tiveram trajetórias parecidas com a minha e são lembrados e reconhecidos pelo tempo no grupo e eu, todavia, não. Não estou falando isso para fazer queixa, reclamação ou seja lá o que possa parecer. Isso é só uma constatação que talvez seja mais importante para mim do que para qualquer outra pessoa. É só uma questão bem pessoal de se sentir parte de alguma coisa, sabe?
Enfim, eu me senti tão distante daquilo tudo que nem consegui executar a performance que eu tinha pensado em levar e me comprometido em fazer na festa do lançamento do livro. Eu fiquei olhando aquela gente dançando na fila dos autógrafos e me senti tão longe deles. Minhas performances são todas tão sofridas, falam de coisas tão "pesadas", que achei que ia destoar daquela felicidade, leveza, daquela necessidade de se mover com a música. Saí da festa de fininho me achando a velha que queria sentar para ler o livro num lugar mais claro, com menos volume de som e sem todas aquelas pessoas que sentem essa necessidade louca de sair dançando de pés descalços e se rolando no chão em qualquer música e em qualquer momento. É uma urgência de movimentos que eu não tenho no meu corpo. E isso também não é uma crítica ao pessoal que estava dançando loucamente na festa, é, novamente, uma constatação do quanto eu não tenho essa necessidade de sair dançando por aí sem motivo algum além da felicidade de mover-se.
Pode ser a idade, as contraturas, as dores, a falta de repouso, o sair correndo da aula para ir pro ensaio, o fato é que eu não sou mais a pessoa que ia dançando pras aulas de ballet aos doze anos de idade. Eu não sou mais aquela pessoa que escreveu aquele depoimento pro livro dos dez anos há uns dois anos atrás. Muito do que está ali é verdade e sempre será. O grupo realizou o meu sonho antigo de fazer aulas todos os dias, conheci pessoas incríveis ali, professores maravilhosos, adquiri conhecimentos que sigo desenvolvendo ou tentando desenvolver, mas algo muito profundo mudou em mim nos últimos tempos. Para começar, mudei minha percepção sobre premiações e a forma como os bailarinos aqui da capital gaúcha fazem sua formação profissional, mas, mais importante que isso, percebi que não tenho essa urgência pelo movimento. Não me entendam mal, quero dançar, amo a dança, é minha profissão, mas isso tudo aparece de outro forma em mim neste momento. Estes dias me disseram que sou muito racional, e acho que pode ser isso mesmo. Eu, provavelmente, estou racionalizando demais minha própria dança, não sei, na verdade, não pensei seriamente sobre isso. Só fiquei com vontade de escrever sobre estas sensações tão contraditórias que estes dois eventos me trouxeram.
Enfim, receber o reconhecimento pelo meu trabalho com a dança, seja como professora ou bailarina, de pessoas que foram atingidas por ele de alguma forma me fez sentir parte dessa dança que acontece aqui neste local, nesta cidade, entre meus pares. Acho que sentir-se parte de tudo isso incentiva para continuarmos resistindo, lutando, pensando, criando, correndo atrás da máquina, enfim, dançando.