quarta-feira, 13 de julho de 2016

OS BENEFÍCIOS DA ARTE PARA A VIDA EM SOCIEDADE

Faz tempo que quero escrever sobre os benefícios que a prática da dança trouxe para minha vida. Eis que nos últimos dias, vi dois amigos do Facebook publicarem frases que me lembraram deste texto não escrito que vive há tempos na minha cabeça. Acho que chegou a hora de exteriorizá-lo.

Minha vontade é mostrar como a vivência artística me tornou um ser humano melhor em alguns aspectos que julgo serem fundamentais para o bem viver na sociedade atual. Em tempos onde o fazer artístico é menosprezado e desvalorizado e os artistas são confundidos com pessoas preguiçosas que vivem apenas das benesses de governos corruptos, acho importante ressaltar o papel transformador que a arte tem para o ser humano, mesmo que seja de maneira sucinta e baseada apenas nas minhas parcas experiências na área da dança. Aliás, importa ressaltar que parto da minha relação com dança, pois nunca tive um contato tão extenso como este com outras artes, mas que acredito que outras formas de arte podem contribuir de igual maneira para a formação de seres humanos socialmente capazes.

E aqui chego, finalmente, no primeiro tópico da minha lista, ter praticado dança desde pequena me ajudou a ter senso de coletividade. Claro que o fato de vir de uma família com mais irmãos e muitos primos auxiliou neste processo, afinal, quando somos muitos, é preciso aprender a dividir, negociar, brigar e fazer as pazes, auxiliar o outro e pedir auxílio, etc, mas a dança me ensinou algo que acho fundamental para executar tarefas bastante simples da vida cotidiana como andar de transporte público, dirigir ou caminhar pelas calçadas da cidade. Digo isso, porque a dança me ensinou, primeiro, a perceber o espaço que meu corpo ocupa no espaço e, a partir disto, me mostrou a melhor forma de dividir este espaço com outros corpos, elementos, objetos. Eu aprendi a adaptar o meu espaço e a negociar com outros corpos para a divisão igual e respeitosa do espaço maior que nos cerca. Eu aprendi a perceber o outro e a dividir o mundo com ele. A partir disto, eu consigo ver duas pessoas caminhando na calçada e calcular se meu corpo cabe ou não entre elas, se preciso esperar alguém passar, se preciso levantar ou abaixar o guarda-chuva para não bater nos guarda-chuvas alheios, se  meu corpo cabe num espaço mais pro centro do vagão do trem, se eu posso parar do lado de outra pessoa no ônibus sem trancar a circulação no corredor, se tenho tempo e espaço para fazer uma ultrapassagem, se o veículo na minha frente vai ter tempo para terminar a manobra ou se será preciso que eu diminua a velocidade do meu carro. Enfim, uma enormidade de tarefas simples que, executadas a partir da divisão inteligente e compartilhada do espaço, tornam-se mais fáceis nas superlotadas cidades atuais.

E isto me traz para o próximo tópico, que é exatamente ter esta noção de que eu sou o meu corpo. Desde Merleau-Ponty, acabou para mim aquela velha história de dividir a carne e o espírito. Esta parte visível e palpável do meu ser, que divide espaço com outros corpos físicos sejam de pessoas, animais, plantas, construções ou outros objetos, é tão importante quanto esta outra parte metafísica que muitos chamam de espírito, alma ou coisa parecida. Aliás, eu existo para o mundo ao meu redor graças a esta parte física do meu ser. É ela que entra em contato com outros copros, ela que sente as mudanças de temperatura, ela que vê, que ouve, que exterioriza aquilo que minhas emoções, sentimentos, alma, espírito, consciência, etc, cria ou percebe. É meu corpo físico, portanto, quem produz conhecimentos sobre este mundo sensorial que me cerca. E este conhecimento dos sentidos ou que vem de experiências estéticas não é menos importante que o conhecimento racional. A dança me ensinou a parar com esta visão cartesiana sobre meu ser e, como conseguinte, sobre tudo que me cerca. Chega de Descartes! O mundo não pode mais ser dividido em apenas duas partes opostas, onde uma parte é mais valorizada do que a outra.  Não existe nós contra eles, GrêmioXInter, esquerdaXdireita, somos seres complexos e multifacetados. Nada pode ser tão facilmente separado  e categorizado desta maneira.

Seguindo na lista, volto a dizer que, obviamente, outros fatores da minha formação pessoal, como o fato de ter nascido numa família evangélica praticante, auxiliaram-me a desenvolver algumas das características aqui ressaltadas, mas creio que a dança estimulou e potencializou este aprendizado. Falo isto, porque a experiência do fazer coletivo em dança me ensina a lidar e criar com as diferenças e a partir das diferenças. Quando corpos de diferentes formações em dança se encontram, existe sim diferença de qualidade de movimento e é sempre necessária uma adequação de todos para que encontremos um caminho possível para todos. Este processo, porém, não é ruim, pelo contrário, gera mais conhecimento para todos os envolvidos. O diferente não é elemento incapacitante nem de segregação, é apenas diferente e eu posso aprender com ele, adaptar-me a ele, respeitá-lo e conviver com ele. Acho que não preciso explicar aqui qual o benefício disto para a vida em sociedade. No mundo de hoje, aprender a bem viver em sociedade passa, infalivelmente, pelo respeito e aceitação da diferença como algo absolutamente normal e intrínseco ao ser humano. Somos todos diferentes e isso é fator de enriquecimento e crescimento.

Por último, nesta pequena lista, gostaria de citar que a dança me ensinou que sou um ser limitado e imperfeito, mas que posso, com muito trabalho, expandir meus limites e melhorar imperfeições. Esta expansão é, muitas vezes, demorada já que o aprendizado de formas, gestos, movimentos leva tempo para ser bem feito. Quanto esforço, quanto choro, quanta repetição é necessária para ampliar possibilidades de movimentos, reeducar músculos, ligamentos, tendões e quanto despojamento e força é preciso pra aprender a não desistir diante das nossas impossibilidades. A dança me ensinou que posso continuamente melhorar e modificar minha maneira de me mover, meu contato com o outro, minha presença cênica. Não só posso como devo buscar sempre implodir meus limites e recriá-los mais além do que estavam. Além disto, a dança também me ensinou a não supervalorizar o erro. Errar não é prova de incapacidade, mas caminho de aprendizado e aprimoramento. Eu aceito minhas imperfeições e utilizo elas assim como também desenvolvo minhas habilidades. Não posso simplesmente aceitar as coisas como são, eu posso me transformar, posso transformar os outros ao meu redor, sou capaz de modificar coisas, seres, objetos, corpos, vidas. Eu sou objeto de transformação seja ela lenta, pequena, rápida, grande, mais ou menos abrangente. Eu mudo, as pessoas mudam, a realidade muda, o mundo muda. Estamos em constante movimento.

Por fim, nestas poucas e breves linhas, quis publicar algo que sempre defendo: a necessidade do ensino continuado das artes para seres humanos de todas as idades, pois; assim como o movimento, o aprendizado também pode ser constante. Não precisamos que todos tornem-se artistas, mas necessitamos de seres capazes de se auto conhecer e afirmar, de respeitar diferenças, dividir espaços e vidas com outros seres e transformar realidades. Que assim seja!