Conforme prometido, seguem minhas reflexões sobre meu “estilo
de dança”. Para quem não viu o início da questão no Facebook, esta pulga nasceu
atrás da minha orelha quando fui fazer a audição para a recém-criada Cia
Municipal de Dança de Porto Alegre. A audição consistia em uma aula e o último
exercício da aula era ir até a banca examinadora dançando conforme o seu
estilo.
Assim que a professora terminou a frase eu pensei: “E qual é
o meu estilo?” Imediatamente pensei no flamenco, que é a linguagem artística
que venho estudando mais nos últimos dois anos e que seria meu “diferencial”
naquele grupo de bailarinos reunidos na sala, mas não excluí a dança
contemporânea e o ballet clássico dos meus pensamentos, pois eles fizeram e
ainda fazem parte da minha vivência corporal. E isso só para citar as
linguagens com as quais mais trabalhei e que deixaram algumas marcas no meu
corpo, nos meus movimentos, na minha maneira de dançar e de ver a vida.
Óbvio que fiz muita bobagem na hora do exercício. Infelizmente,
não consigo mostrar meu estilo pessoal em 30 segundos avançando em direção a
uma banca examinadora. Ainda mais se levar em conta que eu fiquei o tempo todo
pensando: qual é o meu estilo? Enfim, como se supõe, não passei na audição, mas
isto é tema para outro texto, pois trata-se de uma rejeição artística que ainda
estou digerindo e sobre a qual ainda não consigo refletir sem me debulhar
chorando. Voltemos, portanto, ao meu estilo de dança.
Saí da sala de aula pensando no meu estilo que, creio,
deveria ser uma mistura de ballet clássico, dança contemporânea* e flamenco,
pois são as danças que mais estudei ao longo dos anos. Aí lembrei de um texto lido
na faculdade sobre corpos híbridos e fui atrás para lembrar do que se tratava e
de quem era. O texto chama-se Corpos humanos não identificados: hibridismo
cultural e é de Dani Lima. Nele, a autora fala sobre a forma corporal na dança
contemporânea.
Enfim, fazendo uma leitura rápida no texto, identifiquei meu
corpo ou minha formação como bailarina como um corpo híbrido, composto de várias
técnicas, mas que não é formado somente por uma delas ou que não demonstra
formação específica em somente uma técnica ou outra. Sou fruto desta mistura de
técnicas a que eu mesma me expus ao longo dos anos e este corpo não é imutável,
pois vai continuar sendo exposto a diferentes situações, linguagens e formas de
movimento. E este conceito responde um pouco minha dúvida sobre meu estilo ou a
falta dele. Explico...
Quando eu dancei ballet clássico, nunca fui princesa, a Fada
Açucarada ou o cisne bonzinho. Eu era sempre a vilã, a espanhola, o cisne
negro... Minha professora dizia que eu tinha movimentos muito fortes para os
papéis mais meigos e doces. Eu ficava arrasada. Sempre quis ser a princesa
boazinha. Aí, fui fazer aula de dança contemporânea. Depois de meses me batendo
contra o solo, estava começando a me achar mais soltinha, menos clássica e com
menos hematomas pelo corpo. Numa bela aula, ouço a Eva Schull dizer: “tu tens
que soltar mais o peso do corpo no chão. Parece que tu estás sempre dançando
flamenco.”
Em Madri, passei por outra experiência perturbadora. Estava
me achando “super flamenca”, pois já tinha perdido um pouco daquela postura
rígida do ballet que carregava comigo para as aulas de flamenco, quando uma
bailaora brasileira radicada em Madri chamada Yara Castro me fala: “não faz
essa chamada, você, com este jeitão de bailarina que você tem, precisa fazer
uma coisa mais “classuda”!” Concluo, portanto, que não me enquadro nas
características estéticas de nenhuma das danças que já estudei mais
profundamente...
Juro que lembrei de tudo isso na hora do tal exercício na
aula. Eu não sou clássica, não sou flamenca e não sou contemporânea, ou seja,
eu sou um ser único e que misturou isto tudo ou que realmente não conseguiu
misturar nada disso. Cheguei à conclusão que sou uma pessoa que dança há mais
de vinte anos e que tenta harmonizar o corpo de acordo com as diferentes
linguagens estudadas, mas que ainda não atingiu este objetivo. E, sinceramente,
levando em conta a época em que vivemos, na qual estamos expostos a tantas
informações, não sei se quero ser só flamenca, só clássica ou só contemporânea.
Acho que gosto de pensar que, quando danço flamenco, busco
mais as formas corporais ligadas a este tipo de dança, mas que também não
impeço meu corpo de, em algum momento ou outro, parecer-se ao ballet clássico
ou a dança contemporânea. Afinal de contas, meu corpo não sabe exatamente
separar todas estas linguagens. Às vezes elas simplesmente se misturam, outras
vezes se separam e vão para polos opostos, porém continuam criando formas e significando
algo com isto. Desta forma, eu continuo sendo eu com meus defeitos e qualidades,
com a minha forma particular de dançar e de me expressar.
Por fim, sou uma pessoa que tem tendinite no joelho
esquerdo, fascite nos dois pés, uma coluna lombar retificada por causa de duas
vértebras que nasceram coladas (fato que só descobri depois dos 30 anos), que
dança ballet clássico desde os 5 anos, que tenta estudar flamenco há uns 10
anos e que há 6 anos descobriu que gosta também de dançar com os pés descalços,
o cabelo solto e testar novos movimentos e formas. Sou uma pessoa que ficou
quatro dias pensando no seu próprio estilo de dança e que não chegou à
conclusão definitiva sobre o assunto. Só sei que, por enquanto, sou isto e que
é assim que me mostro em público para ser acolhida ou não. Mesmo sendo rejeitada,
tenho certeza de uma coisa: eu comunico algo aos outros. As pessoas não ficam
indiferentes a minha forma de mover o corpo em cena seja a cena que for:
clássica, flamenca ou contemporânea. E, por hora, acho que isso já é uma
vitória para alguém que se diz artista.
* esta denominação é muita ampla e pode englobar muitas
coisas, mas no contexto deste texto, a utilizo para reunir as técnicas que
surgiram a partir da dança moderna. De maneira geral, são as linguagens que
usam os movimentos em contato com o solo, os pés descalços, a mistura com
outras linguagens como o teatro e o vídeo, que propõem uma forma de pensar o
corpo, o movimento e a cena de uma maneira diferente daquela proposta pelo
ballet clássico e pela dança moderna.