Este é o primeiro texto de uma série destinada aos espetáculos assistidos no Festival Porto Verão Alegre em janeiro de 2025 em Porto Alegre: Enquanto Esperamos, da Cia H Dança; no teu corpo verso ser, da Curvas em Dança; Muita Água, de Cibele Sastre, Fabiano Nunes e Juliana Vicari e Engrenagem, da Cia de Dança Karin Ruschel. Farei um texto sobre cada um, mas talvez aconteçam comparações ou relações entre eles pela proximidade em que os assisti, num intervalo de duas semanas.
A primeira destas relações é sobre o público presente nas propostas coreográficas, em grande parte formado por amigos e familiares dos artistas em cena e pela classe artística. O assim chamado "público em geral", formado por pessoas que não tem relação direta com a dança e outras artes ou com os artistas e técnicos envolvidos nos espetáculos, é muito pequeno, em algumas propostas inexistente. Mesmo que a dança seja uma das atividades artísticas mais praticadas no país, ela segue tendo pouco público e a formação de plateia parece continuar necessária. As escolas conseguem levar público para seus próprios espetáculos, mas como fazer com que as pessoas se interessem pelos trabalhos das companhias independentes, artistas individuais e outros não vinculados a espaços de formação?
Tendo em vista este entre muitos outros desafios presentes no cenário da dança em Porto Alegre, a Cia H não só apresentou Enquanto Esperamos neste PVA, mas também outros dois espetáculos. O programa da companhia dirigida por Ivan Motta era composto por EXTimidades, realizado no dia 14 de janeiro; e as estreias de Enquanto Esperamos, no dia 15, e Memórias Perdidas II, no dia 16. Todos foram apresentados no Teatro Bruno Kiefer, no 6 andar da Casa de Cultura Mario Quintana. Uma sequência de espetáculos que, além de revelar que a Cia H é uma das mais atuantes nas duas últimas décadas na capital gaúcha, mostra que as equipes técnicas e artísticas que compõem este núcleo criativo tem conseguido se empenhar em colocar suas propostas em cena. E isto não é tarefa fácil, já que os bailarinos e técnicos da companhia não trabalham sob regime de exclusividade, uma condição rara na Porto Alegre de 2025 (me pergunto se isso existe na cidade), mas também porque as companhias independentes ou aquelas que não são vinculadas a centros de formação em dança não costumam ter sedes próprias nem fontes fixas de financiamento que permitam a continuidade ideal dos trabalhos, o que acredito ser o caso da Cia H Dança. Esta realidade dificulta os trabalhos de aprimoramento técnico dos bailarinos, ensaios, manutenção de figurinos e cenários, entre outros desafios.
Outro fator digno de nota nestas linhas é que Ivan Motta faz parte do mesmo grupo de Carlota Albuquerque, como dito neste texto sobre o novo trabalho da Cia Municipal de Porto Alegre, ou seja, é um coreógrafo que imprime seu estilo às propostas que leva a cena. Coreografias tecnicamente difíceis e bem elaboradas, com bonitos duos; bailarinos com grande capacidade técnica e expressiva, flexíveis, fortes, ágeis, com musicalidade; figurinos que costumam dançar junto com os muitos movimentos das coreografias, feitos em camadas, com tecidos de diferentes caimentos e texturas; desenhos de luz que intensificam as movimentações cênicas; a manutenção de um núcleo técnico e artístico capaz de realizar as diferentes propostas; capacidade de ressaltar as potencialidades ou características mais desenvolvidas em cada bailarino; colagens de músicas diversas compondo a trilha. Tudo isso costuma estar presentes nas propostas de Ivan Motta e cria uma identidade estética reconhecível.
Enquanto Esperamos tem tudo isso e ainda a mescla de experiências, ao colocar em cena quatro bailarinos da nova geração da dança de Porto Alegre ao lado de Edison Garcia, um intérprete com longa carreira na cena gaúcha. Neste trabalho, Edison demonstra bom domínio de texto, ao apresentar os outros quatro personagens e fazer as transições entre as cenas que compõem o espetáculo. Apesar de Garcia ter realizado um bom trabalho técnico com o texto, suas interações mais comoventes foram aquelas em que ele, com movimentos e elementos cênicos transicionou as emoções de cada momento sem falar. Enquanto Esperamos trouxe pra cena angústia, mas não vi, compreendi ou percebi as relações com as enchentes ocorridas em 2024 no RS. Como eram dois casais de bailarinos, as cenas e coreografias por vezes pareciam trazer à luz ou versar sobre os relacionamentos daquelas pessoas e não sobre o caos climático e a espera por resgate como escrito na sinopse de Enquanto Esperamos. Por certo vivenciar um desastre ecológico de grandes proporções não impede que outras questões apareçam, como vimos nos numerosos e lamentáveis casos de abuso revelados nos abrigos para os desalojados pelas águas em Porto Alegre e outras cidades do estado, mas este não parecia ser o enfoque central da obra da Cia H.
Na verdade, saí do teatro pensando no que havia ficado em mim depois de assistir Enquanto Esperamos. Para além das belas coreografias perfeitamente executadas, mais uma vez, relembrando a experiência com a Cia Municipal, o trabalho trouxe mais reflexões sobre o fazer artístico e o cenário da dança em Porto Alegre do que sobre a proposta cênica apresentada. Pode ser que meu olhar esteja viciado por ser também uma artista da dança nesta cidade, que atua, produz, dá aulas, é PJ e PF ao mesmo tempo e todas essas coisas, mas e se não for esta a questão?
Ficha Técnica de Enquanto Esperamos:
Direção: Ivan Motta
Elenco: Edison Garcia, Caleo Alencar, Tami Melegari, Bruno Manganelli, Andressa Pereira
Produção: Luka Ibarra
Iluminação: Maurício Rosa
Sonorização: Andre Vinowsky
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