sábado, 15 de fevereiro de 2025

SURPRESAS PROMISSORAS

No dia 16 de janeiro, tive uma grata surpresa ao assistir no teu corpo verso ser da Companhia Curvas em Dança na Sala Álvaro Moreira. A primeira surpresa foi encontrar tudo pronto para o espetáculo depois de um temporal de verão que deixou o saguão do Centro Municipal de Cultura cheio de poças d'água devido às goteiras e avarias no telhado do local. A situação não é novidade, mas parece que a Prefeitura não tem feito empenho suficiente para garantir a manutenção adequada do local. Por sorte, estava tudo seco na Álvaro.

no teu corpo verso ser mescla texto, dança e música. Aliás, o fato de ver um espetáculo com a trilha sonora sendo executada ao vivo foi outra grata surpresa. No flamenco, estamos acostumados com esta possibilidade, mas não é comum ver outras linguagens utilizando este recurso. Uma cantora e um guitarrista formam a banda do espetáculo nesta apresentação na programação do Festival Porto Verão Alegre. A interação entre eles e os bailarinos é pequena. Excetuando-se a primeira cena, em que Camila Balbueno, artista dotada de uma voz com belo timbre e técnica vocal excelente, canta rodeada pelos intérpretes (que fazem coro em alguns breves momentos), os músicos ficam sentados em duas cadeiras ao fundo do palco. Me pergunto o quanto disso é escolha estética e o quanto é necessidade técnica, pois, citando novamente a experiência com flamenco, sabemos como pode ser complicado mover músicos pelo espaço. Na grande maioria das vezes, não há microfones, caixas de retorno, canais na mesa, cabos, sistemas sem fio e outras aparelhagens sonoras que possibilitem uma boa execução da musica juntamente com o movimento. Neste caso, as impossibilidades técnicas acabam se impondo aos  desejos estéticos e de criação cênica.

Outro elemento que participa em apenas um momento do espetáculo são os quatro manequins posicionados no fundo da cena ao lado dos dois músicos. Será que aqueles dorsos pintados e grafitados com tintas coloridas não poderiam também participar do movimento da cena, ao invés de ficarem imóveis para serem manipulados em apenas um momento? Agora é a experiência com a dança teatro (ou outro nome que prefiram) que me faz imaginar quais outras possibilidades aqueles interessantes elementos cênicos teriam na construção das coreografias e cenas. Como no teu corpo verso ser parece estar em processo, algo comum em espetáculos recentes e das linguagens contemporâneas, estes manequins poderiam ajudar a compor uma cena final, que acho que ainda precisa ser encontrada. Eles também poderiam ser utilizados para quebrar um pouco o ritmo do espetáculo, que intercala cenas faladas com dançadas, quase sempre sendo uma coreografia, um texto dito por algum dos intérpretes, outra coreografia, outro texto e assim sucessivamente. De toda forma, o espetáculo consegue manter uma boa dinâmica musical e nas coreografias, ao misturar de forma inteligente, solos, duos e momentos em grupo.

A Curvas em Dança é um companhia que reúne um elenco heterogêneo e harmônico ao mesmo tempo. Corpos magros, gordos, altos, baixos, com muita ou pouca experiência em dança, se reúnem para colocar em cena coreografias bem elaboradas que demonstram um consistente trabalho de pesquisa e de exploração das possibilidades do espaço e de cada corpo em cena. O grupo é jovem e parece ter boas bases de conhecimento sobre os recursos coreográficos disponíveis. no teu corpo verso ser é uma proposta ousada, por misturar música, texto e dança, e ao mesmo tempo simples e bem realizada por toda a equipe, seja técnica ou artística, nela envolvida.


Ficha técnica no teu corpo verso ser:

Elenco: Giovana Rigo, Gianna Soccol, Karla Santos, Luan Hoffman, Paula Quirino, Rafaela Machado e Teti Ametista
Direção geral: Rafaela Machado
Direção cênica: Luan Hoffman
Textos: Júlia Córdova
Música ao vivo: Camila Balbueno e Ramon Gomes
Técnico de luz: Carlos Azevedo
Técnico de som: Manu Goulart
Cenografia: Alex Zardin
Filmagem e edição: Main Quest
Produção: Seis por Oito
Realização: Companhia Curvas em Dança

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

ENQUANTO DANÇAMOS EM PORTO ALEGRE

Este é o primeiro texto de uma série destinada aos espetáculos assistidos no Festival Porto Verão Alegre em janeiro de 2025 em Porto Alegre: Enquanto Esperamos, da Cia H Dança; no teu corpo verso ser, da Curvas em Dança; Muita Água, de Cibele Sastre, Fabiano Nunes e Juliana Vicari e Engrenagem, da Cia de Dança Karin Ruschel. Farei um texto sobre cada um, mas talvez aconteçam comparações ou relações entre eles pela proximidade em que os assisti, num intervalo de duas semanas.

A primeira destas relações é sobre o público presente nas propostas coreográficas, em grande parte formado por amigos e familiares dos artistas em cena e pela classe artística. O assim chamado "público em geral", formado por pessoas que não tem relação direta com a dança e outras artes ou com os artistas e técnicos envolvidos nos espetáculos, é muito pequeno, em algumas propostas inexistente. Mesmo que a dança seja uma das atividades artísticas mais praticadas no país, ela segue tendo pouco público e a formação de plateia parece continuar necessária. As escolas conseguem levar público para seus próprios espetáculos, mas como fazer com que as pessoas se interessem pelos trabalhos das companhias independentes, artistas individuais e outros não vinculados a espaços de formação?

Tendo em vista este entre muitos outros desafios presentes no cenário da dança em Porto Alegre, a Cia H não só apresentou Enquanto Esperamos neste PVA, mas também outros dois espetáculos. O programa da companhia dirigida por Ivan Motta era composto por EXTimidades, realizado no dia 14 de janeiro; e as estreias de Enquanto Esperamos, no dia 15, e Memórias Perdidas II, no dia 16. Todos foram apresentados no Teatro Bruno Kiefer, no 6 andar da Casa de Cultura Mario Quintana. Uma sequência de espetáculos que, além de revelar que a Cia H é uma das mais atuantes nas duas últimas décadas na capital gaúcha, mostra que as equipes técnicas e artísticas que compõem este núcleo criativo tem conseguido se empenhar em colocar suas propostas em cena. E isto não é tarefa fácil, já que os bailarinos e técnicos da companhia não trabalham sob regime de exclusividade, uma condição rara na Porto Alegre de 2025 (me pergunto se isso existe na cidade), mas também porque as companhias independentes ou aquelas que não são vinculadas a centros de formação em dança não costumam ter sedes próprias nem fontes fixas de financiamento que permitam a continuidade ideal dos trabalhos, o que acredito ser o caso da Cia H Dança. Esta realidade dificulta os trabalhos de aprimoramento técnico dos bailarinos, ensaios, manutenção de figurinos e cenários, entre outros desafios.

Outro fator digno de nota nestas linhas é que Ivan Motta faz parte do mesmo grupo de Carlota Albuquerque, como dito neste texto sobre o novo trabalho da Cia Municipal de Porto Alegre, ou seja, é um coreógrafo que imprime seu estilo às propostas que leva a cena. Coreografias tecnicamente difíceis e bem elaboradas, com bonitos duos; bailarinos com grande capacidade técnica e expressiva, flexíveis, fortes, ágeis, com musicalidade; figurinos que costumam dançar junto com os muitos movimentos das coreografias, feitos em camadas, com tecidos de diferentes caimentos e texturas; desenhos de luz que intensificam as movimentações cênicas; a manutenção de um núcleo técnico e artístico capaz de realizar as diferentes propostas; capacidade de ressaltar as potencialidades ou características mais desenvolvidas em cada bailarino; colagens de músicas diversas compondo a trilha. Tudo isso costuma estar presentes nas propostas de Ivan Motta e cria uma identidade estética reconhecível.

Enquanto Esperamos tem tudo isso e ainda a mescla de experiências, ao colocar em cena quatro bailarinos da nova geração da dança de Porto Alegre ao lado de Edison Garcia, um intérprete com longa carreira na cena gaúcha. Neste trabalho, Edison demonstra bom domínio de texto, ao apresentar os outros quatro personagens e fazer as transições entre as cenas que compõem o espetáculo. Apesar de Garcia ter realizado um bom trabalho técnico com o texto, suas interações mais comoventes foram aquelas em que ele, com movimentos e elementos cênicos transicionou as emoções de cada momento sem falar. Enquanto Esperamos trouxe pra cena angústia, mas não vi, compreendi ou percebi as relações com as enchentes ocorridas em 2024 no RS. Como eram dois casais de bailarinos, as cenas e coreografias por vezes pareciam trazer à luz ou versar sobre os relacionamentos daquelas pessoas e não sobre o caos climático e a espera por resgate como escrito na sinopse de Enquanto Esperamos. Por certo vivenciar um desastre ecológico de grandes proporções não impede que outras questões apareçam, como vimos nos numerosos e lamentáveis casos de abuso revelados nos abrigos para os desalojados pelas águas em Porto Alegre e outras cidades do estado, mas este não parecia ser o enfoque central da obra da Cia H.

Na verdade, saí do teatro pensando no que havia ficado em mim depois de assistir Enquanto Esperamos. Para além das belas coreografias perfeitamente executadas, mais uma vez, relembrando a experiência com a Cia Municipal, o trabalho trouxe mais reflexões sobre o fazer artístico e o cenário da dança em Porto Alegre do que sobre a proposta cênica apresentada. Pode ser que meu olhar esteja viciado por ser também uma artista da dança nesta cidade, que atua, produz, dá aulas, é PJ e PF ao mesmo tempo e todas essas coisas, mas e se não for esta a questão?


Ficha Técnica de Enquanto Esperamos:

Direção: Ivan Motta
Elenco: Edison Garcia, Caleo Alencar, Tami Melegari, Bruno Manganelli, Andressa Pereira
Produção: Luka Ibarra
Iluminação: Maurício Rosa
Sonorização: Andre Vinowsky