terça-feira, 27 de maio de 2014

MEU ESTILO DE DANÇA

Conforme prometido, seguem minhas reflexões sobre meu “estilo de dança”. Para quem não viu o início da questão no Facebook, esta pulga nasceu atrás da minha orelha quando fui fazer a audição para a recém-criada Cia Municipal de Dança de Porto Alegre. A audição consistia em uma aula e o último exercício da aula era ir até a banca examinadora dançando conforme o seu estilo.

Assim que a professora terminou a frase eu pensei: “E qual é o meu estilo?” Imediatamente pensei no flamenco, que é a linguagem artística que venho estudando mais nos últimos dois anos e que seria meu “diferencial” naquele grupo de bailarinos reunidos na sala, mas não excluí a dança contemporânea e o ballet clássico dos meus pensamentos, pois eles fizeram e ainda fazem parte da minha vivência corporal. E isso só para citar as linguagens com as quais mais trabalhei e que deixaram algumas marcas no meu corpo, nos meus movimentos, na minha maneira de dançar e de ver a vida.

Óbvio que fiz muita bobagem na hora do exercício. Infelizmente, não consigo mostrar meu estilo pessoal em 30 segundos avançando em direção a uma banca examinadora. Ainda mais se levar em conta que eu fiquei o tempo todo pensando: qual é o meu estilo? Enfim, como se supõe, não passei na audição, mas isto é tema para outro texto, pois trata-se de uma rejeição artística que ainda estou digerindo e sobre a qual ainda não consigo refletir sem me debulhar chorando. Voltemos, portanto, ao meu estilo de dança.

Saí da sala de aula pensando no meu estilo que, creio, deveria ser uma mistura de ballet clássico, dança contemporânea* e flamenco, pois são as danças que mais estudei ao longo dos anos. Aí lembrei de um texto lido na faculdade sobre corpos híbridos e fui atrás para lembrar do que se tratava e de quem era. O texto chama-se Corpos humanos não identificados: hibridismo cultural e é de Dani Lima. Nele, a autora fala sobre a forma corporal na dança contemporânea.

Enfim, fazendo uma leitura rápida no texto, identifiquei meu corpo ou minha formação como bailarina como um corpo híbrido, composto de várias técnicas, mas que não é formado somente por uma delas ou que não demonstra formação específica em somente uma técnica ou outra. Sou fruto desta mistura de técnicas a que eu mesma me expus ao longo dos anos e este corpo não é imutável, pois vai continuar sendo exposto a diferentes situações, linguagens e formas de movimento. E este conceito responde um pouco minha dúvida sobre meu estilo ou a falta dele. Explico...

Quando eu dancei ballet clássico, nunca fui princesa, a Fada Açucarada ou o cisne bonzinho. Eu era sempre a vilã, a espanhola, o cisne negro... Minha professora dizia que eu tinha movimentos muito fortes para os papéis mais meigos e doces. Eu ficava arrasada. Sempre quis ser a princesa boazinha. Aí, fui fazer aula de dança contemporânea. Depois de meses me batendo contra o solo, estava começando a me achar mais soltinha, menos clássica e com menos hematomas pelo corpo. Numa bela aula, ouço a Eva Schull dizer: “tu tens que soltar mais o peso do corpo no chão. Parece que tu estás sempre dançando flamenco.”

Em Madri, passei por outra experiência perturbadora. Estava me achando “super flamenca”, pois já tinha perdido um pouco daquela postura rígida do ballet que carregava comigo para as aulas de flamenco, quando uma bailaora brasileira radicada em Madri chamada Yara Castro me fala: “não faz essa chamada, você, com este jeitão de bailarina que você tem, precisa fazer uma coisa mais “classuda”!” Concluo, portanto, que não me enquadro nas características estéticas de nenhuma das danças que já estudei mais profundamente...

Juro que lembrei de tudo isso na hora do tal exercício na aula. Eu não sou clássica, não sou flamenca e não sou contemporânea, ou seja, eu sou um ser único e que misturou isto tudo ou que realmente não conseguiu misturar nada disso. Cheguei à conclusão que sou uma pessoa que dança há mais de vinte anos e que tenta harmonizar o corpo de acordo com as diferentes linguagens estudadas, mas que ainda não atingiu este objetivo. E, sinceramente, levando em conta a época em que vivemos, na qual estamos expostos a tantas informações, não sei se quero ser só flamenca, só clássica ou só contemporânea.

Acho que gosto de pensar que, quando danço flamenco, busco mais as formas corporais ligadas a este tipo de dança, mas que também não impeço meu corpo de, em algum momento ou outro, parecer-se ao ballet clássico ou a dança contemporânea. Afinal de contas, meu corpo não sabe exatamente separar todas estas linguagens. Às vezes elas simplesmente se misturam, outras vezes se separam e vão para polos opostos, porém continuam criando formas e significando algo com isto. Desta forma, eu continuo sendo eu com meus defeitos e qualidades, com a minha forma particular de dançar e de me expressar.

Por fim, sou uma pessoa que tem tendinite no joelho esquerdo, fascite nos dois pés, uma coluna lombar retificada por causa de duas vértebras que nasceram coladas (fato que só descobri depois dos 30 anos), que dança ballet clássico desde os 5 anos, que tenta estudar flamenco há uns 10 anos e que há 6 anos descobriu que gosta também de dançar com os pés descalços, o cabelo solto e testar novos movimentos e formas. Sou uma pessoa que ficou quatro dias pensando no seu próprio estilo de dança e que não chegou à conclusão definitiva sobre o assunto. Só sei que, por enquanto, sou isto e que é assim que me mostro em público para ser acolhida ou não. Mesmo sendo rejeitada, tenho certeza de uma coisa: eu comunico algo aos outros. As pessoas não ficam indiferentes a minha forma de mover o corpo em cena seja a cena que for: clássica, flamenca ou contemporânea. E, por hora, acho que isso já é uma vitória para alguém que se diz artista.


* esta denominação é muita ampla e pode englobar muitas coisas, mas no contexto deste texto, a utilizo para reunir as técnicas que surgiram a partir da dança moderna. De maneira geral, são as linguagens que usam os movimentos em contato com o solo, os pés descalços, a mistura com outras linguagens como o teatro e o vídeo, que propõem uma forma de pensar o corpo, o movimento e a cena de uma maneira diferente daquela proposta pelo ballet clássico e pela dança moderna.

2 comentários:

  1. Grazi

    Lindo texto e te entendo. Muitos me perguntam sobre minha origem na dança e quanto eu conheço de ciganos por parecer um dançando... Risos... Não sou tão máximo assim pra chegar a este ponto. Talvez pelo envolvmento com eles (vide meu blog) tenha me dado uma perspectiva diferente naquilo que faço. Muitos nos olham com aquele olhar de TÈCNICA BOA e raro são aqueles que olham com os olhos da Alma. Quando vc coloca a sua alma no trabalho, quem percebe não olhará para a técnica. Aprendi isto vendo vários vídeos antigos e comparando-os com os modernos. As fusões e confusões da dança de hoje nos liberta para expressar a alma como a queremos... e isto indepnde do que os outros querem, mas sim daquilo que você sente na sua dança, na hora de expor e de quem capta. O resto é resto... Sucesso sempre e muita sorte! Bjs!

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  2. Parabéns Grazi! Belissimo texto, que só mostra tua maturidade perante a dança. Não é fácil fazer esses mergulhos internos e tu expressar isso com tanta exposição é prova de autoconhecimento e confiança. Muito legal!! E cá entre nós... também não sei qual meu estilo, dentro de um único estilo que é o flamenco. Acho que faz parte dessa busca inconstante do artista.

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