domingo, 15 de junho de 2025

DIVERSIDADE NA DANÇA E NA VIDA

Nos últimos meses assisti dois espetáculos diferentes entre si, mas que, de formas também distintas, fizeram refletir sobre a acessibilidade comunicacional e sobre a diversidade de corpos na cena e na vida, ou a falta dela.

Em "Uma mulher vestida de sol", do Grupo Grial de Dança, de Pernambuco, que fez parte da programação de inauguração do Teatro Simões Lopes Neto, no Multipalco do Theatro São Pedro em Porto Alegre, a diversidade estava na cena, já que uma das intérpretes da  obra é uma pessoa com deficiência visual. Na verdade, demorei para perceber essa qualidade da intérprete. Só fui notar na terceira cena do espetáculo,  quando ela caminha dentro do círculo formado pelas peles de animais e outros elementos colocados ao redor da cena. Achara estranho que os bailarinos batiam no chão com um cajado muito perto dela numa cena anterior, mas depois percebi que eram deixas sonoras e corporais que os colegas passavam pra ela para que a artista iniciasse uma ação. Foi muito interessante ver como o grupo desenvolveu estas estratégias corporais e sonoras para incluir e dar autonomia para a "artista def" na cena. O interessante da proposta é exatamente mostrar que o fazer coletivo, a criação conjunta entre artista com e sem deficiência, ou seja, entre o grupo heterogêneo, pode produzir espetáculos plurais em que a diversidade não é o foco, mas está mostrada ali, como um espelho da realidade em que vivemos, onde convivem ou deveriam conviver pessoas com suas diferentes corporalidades.

Já em "Vocabulário Flamenco", de Juliana Prestes e Mimi Aragón, os recursos de acessibilidade comunicacional faziam parte da cena. Tradução em libras, legendas, narração e audiodescrição foram pensadas artisticamente nesta proposta ainda em construção, conforme as próprias idealizadoras. Não sou uma espectadora isenta desta mostra de processo, primeiro por se tratar de uma obra de flamenco, linguagem que participa da minha vida há  mais de 20 anos, segundo porque são meu marido, comadre e amigas em cena. Tendo em vista que tenho um lado bem determinado nesta observação e que este texto pretende focar na acessibilidade e diversidade na cena, focarei minha análise neste último ponto. A proposta colocou os recursos de acessibilidade como protagonistas da cena. É comum vermos a intérprete de libras no palco, mas em geral não ouvimos a audiodescrição e nem vemos a audiodescritora ou narrador, fato que ocorre em Vocabulário Flamenco. A proposta traz alguns verbetes do flamenco e suas explicações. Projeções, legendas, narração, tradução em libras, audiodescrição e demonstrações de música e dança trabalham unidas para que todos os públicos tenham a possibilidade de fruir das imagens e informações compartilhadas. Infelizmente, havia apenas uma pessoa com deficiência na platéia, então não obtivemos um retorno maior desse grupo de pessoas para esta nova proposta de acessibilidade integrada à cena. De toda forma, Vocabulário Flamenco aproxima os recursos de acessibilidade comunicacional do público sem deficiência e aponta novas possibilidades entre o artístico e a acessibilidade, criando novos caminhos para esta integração de corporeidades que falamos anteriormente aqui. 

Creio ser esta a principal contribuição de ambas as propostas, esta reflexão sobre as diferentes corporeidades e  como elas podem de entrecruzar e  coexistir num mundo cada vez mais fechado em bolhas de interesse e identificação. A coletividade exige um sair de si e encontrar o outro, uma busca por um outro lugar onde todos/as/es vivam a completude daquilo que entendemos como direitos e  possibilidades de vida feliz, produtiva e harmoniosa. Numa realidade onde as guerras parecem cada vez mais a solução encontrada pelos governantes de imporem suas estritas visões do todo, a busca pelo compartilhar coletivo e o acolhimento das diversidades parece ser uma necessidade da arte em sua constante busca de reflexão e de propor possibilidades e caminhos diversos e não hegemônicos.

Ficha Técnica Uma Mulher Vestida de Sol
Direção coreográfica: Maria Paula Costa Rêgo
Intérpretes criadores: Aldene Nascimento, Bruna Alves, Emerson Dias e Miguel Marinho
Trilha sonora: Grupo Grial
Direção musical/intérprete/poeta: Miguel Marinho
Iluminação: Luciana Raposo
Figurino: Biam Diphá
Cenografia: Grupo Grial
Produção: Maria Paula, Paulo André Leitão e Sofia Santana

Ficha Técnica Vocabulário Flamenco
Concepção: Juliana Prestes e Mimi Aragón
Direção geral: Juliana Prestes
Direção cênica: Juliana Kersting
Produção executiva e gestão de projeto: Uyara Camargo
Intérprete-criadora: Juliana Prestes
Roteiro: Juliana Kersting, Juliana Prestes e Mimi Aragón
Concepção de figurino: Juliana Prestes
Figurino: Flamencura e Lunares
Trilha sonora e músico: Giovani Capeletti
Direção de acessibilidade: Mimi Aragón
Produção de audiodescrição, Libras e legendas: OVNI Acessibilidade Universal
Consultoria de AD: Manoel Negraes
Narração AD: Mimi Aragón e Juliana Prestes
Locução: Denis Gosch
Tradução e interpretação em libras: Celina Xavier
Consultoria de legendagem: Kemi Oshiro
Design e operação de luz: Thais Andrade
Design de projeção: Jana Castoldi
Operação de projeção: Gabriela João
Operação de som: Haik Katchirian
Fotos: Yul Barbosa
Arte gráfica: Juliana Prestes
Assessoria de imprensa: Léo Sant´anna
Projeto Selecionado no Edital Bolsa Retomada Cultural RS da Funarte

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