segunda-feira, 28 de outubro de 2013

TEMPORADA NO MEME SANTO DE CASA

Em novembro, volta a cartaz para uma temporada curta de apenas 3 dias o espetáculo de dança Il faut trouver chaussere à son pied da Geda Cia de Dança Contemporânea. As apresentações ocorrem no espaço cultural Meme Santo de Casa na Rua Lopo Gonçalves no bairro Cidade Baixa em Porto Alegre. Além desta obra, a companhia mostra também performances das bailarinas Fabiane Severo, Stela Menezes e Graziela Silveira. A temporada ocorre nos dias 8, 9 e 10 de novembro. Na sexta e no sábado, as performances começam às 20h e a obra Il Faut às 21h. No domingo, os horários mudam para 19h e 20h respectivamente.

Mais tarde volto a falar do espetáculo completo da companhia. Por hora, quero escrever sobre a performance que vou fazer para abrir as noites lá no Meme. "Para mis abuelos" é um trabalho inspirado nas tragédias familiares que envolverem minha avó paterna e meu avô materno. Ambos morreram muito jovens e em situações bem diferentes. Minha avó deu fim à própria vida e meu avô foi atingido por um raio durante uma tempestade. Não é sobre a morte em si que quero "falar" no meu trabalho. O que me move é a sensação de abandono que creio que eles devem ter vivido muitas vezes nas vidas deles.

Lá pela década de 30, meu avô paterno viajava muito para comprar gado nas fazendas do Uruguai e Argentina, por isso, minha avó ficava em casa com os três filhos pequenos. Pelo pouco que meu pai lembra da mãe dele (ele tinha apenas 2 anos quando ela morreu), percebemos que ela era uma mulher um pouco a frente do tempo dela. A família conta que ela dirigia carro, que era muito braba, trabalhava para manter a casa durante as viagens do meu avô e que não aceitava muito bem as puladas de cerca dele. Acho que ela deve ter entrado em depressão ou coisa assim e acabou terminando a vida dela de uma maneira bastante poética: arrumou a casa toda, colocou os filhos para dormir, vestiu-se como se fosse a uma festa, escreveu um bilhete e tomou veneno misturado com vinho tinto sentada numa cadeira de balanço. Eu queria ter conhecido esta mulher de personalidade forte que não resistiu a um casamento no qual se via presa e abandonada. Conheci a sensação de ser deixada para trás enquanto vemos os outros seguirem a vida como se nada tivesse acontecido. É uma dor real, física.

O link com a história do meu avô é exatamente este abandono e esta prisão, pois ele era mineiro e trabalhava nas minas de carvão. As minas naquela época, estamos falando dos anos 40, eram subterrâneas, escuras e frias. Eram constantes os acidentes que vitimavam mineiros, os que sobreviviam às minas, aposentavam-se cedo e sofriam de muitas doenças respiratórias. Meu avô e avó maternos eram pessoas muito pobres: ele mineiro e ela lavadeira. Ela ficou em situação muito difícil depois da morte dele que aconteceu quando minha mãe tinha apenas 8 anos de idade. Minha mãe lembra de ver minha avó vestida de luto dos pés à cabeça. O mesmo preto que envolveu o marido dela naquelas minas de carvão onde os homens eram deixados à própria sorte sem saber direito o que encontrar pelo caminho, sem enxergar direito pra onde estavam indo, foi companheiro da minha avó por uns dois anos ou mais e foi sendo aliviado aos poucos: do preto total para o preto e brando e depois para o azul escuro e assim por diante. Além disto, a família tinha medo das tempestades de raio e todos sempre corriam para guardar os objetos metálicos como tesouras e facas nas gavetas e cobrir espelhos com panos. Os antigos diziam que estes objetos atraíam raios.

Enfim, o preto do carvão e do luto, a sensação de abandono seja físico ou emocional, o sentir-se só e perdido, sem possibilidade de saída, são sobre estas coisas que vou "falar" com meu corpo lá no Meme Santo de Casa daqui a duas semanas. É um tema meio trágico, mas eu gosto destas coisas. Deve ser por isso que me identifiquei com o flamenco, pois estas tragédias da vida humana são os temas das letras do flamenco que aliás é trilha sonora para a minha performance bem como base de pesquisa para as movimentações corporais. Para terminar, deixo aí as últimas palavras de minha avó materna escritas no idioma dela, que era uruguaia, e que viraram seu epitáfio:

"La guadaña de la muerte
cortó una flor en capuz
Dejando en la orfandad tres niños
Y una madre sin cariño
llorando sobre la cruz."

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