Com este texto sobre Engrenagem, da Cia de Dança Karin Ruschel, termino, com atraso, as reflexões sobre os espetáculos assistidos na edição 2025 do Festival Porto Verão Alegre, evento já tradicional dos verões na capital gaúcha.
Engrenagem traz à cena uma temática que permanece atual no sistema econômico capitalista no qual nossa sociedade se desenvolve: as relações de trabalho e, principalmente de exploração deste trabalho. A luta de classes, entre os operários que mantém a rotina das máquinas e os detentores dos meios de produção que acumulam bens e capital por meio da exploração da mão de obra. Não sei se as discussões sobre o fim da escola 6X1 já estavam em pauta quando o espetáculo estreou, mas a popularidade desta pauta entre a juventude e os trabalhadores do país no momento atual, tornam Engrenagem uma obra atualíssima em sua temática.
Por falar em jovens, é muito interessante ver como o sapateado de Porto Alegre se renova constantemente. Há sempre novas sapateadoras se formando e profissionalizando nas escolas e companhias da cidade. E vou falar assim, no feminino, pois a maioria dos novos talentos são jovens mulheres. Aliás, o elenco de Engrenagem é 100% feminino: das exploradas à exploradora, passando por aquelas que se deixam seduzir e acabam auxiliando na expropriação do tempo de vida de outras trabalhadoras como elas. É interessante ver esta renovação, pois, trazendo pro meu "assado": o flamenco, é algo que não temos conseguido reproduzir. O surgimento de artistas flamencas semiprofissionais ou profissionais entre 16 e 20 anos na capital gaúcha é ínfima. Com tantos anos e núcleos de dança flamenca atuando na cidade, é uma realidade que precisa ser estudada, compreendida e modificada.
De volta ao Engrenagem, embora o auditório do Instituto Goethe seja um local acolhedor, com uma plateia confortável e boa acústica, o formato da sala não contribuiu muito para a projeção que faz parte do espetáculo, isso porque, no fundo da cena, há um canto, resultado do encontro de duas paredes, e uma caixa de som que fica exatamente neste ponto, dificultando a visibilidade da projeção. Outro ponto que percebi foi que o piso do palco parecia escorregadio. Reconheci logo as marcas brancas no palco resultado do encontro das partes metálicas do solado dos sapatos com algum produto utilizado para higienização e embelezamento do assoalho. Infelizmente, essa não é uma realidade apenas do auditório do Goethe. Não há sala de espetáculos em Porto Alegre que disponha de um tablado de madeira apropriado para os sapateados (flamenco, tap, malambo, gaúchos,..). Por último, destaco a inteligente adaptação feita pelo grupo, que não pode usar máquina de fumaça devido ao sistema de prevenção de incêndios da sala, e modificou a última cena utilizando outro elemento no lugar da fumaça.
Além das criativas sequências coreográficas e musicais de sapateado, nas quais percebe-se o trabalho de Gabriella Castro, que mistura elementos das danças urbanas com o sapateado, destaco ainda o bonito solo de Fernanda Santos ao final do espetáculo. Uma coreografia instigante e bem executada pela bailarina. Vida longa às sapateadoras de Porto Alegre e que tenhamos tablados que facilitem e amplifiquem nossas potencialidades sem causar preocupações quanto à integridade dos palcos das salas de espetáculo da cidade.
Ficha Técnica de Engrenagem
Concepção e coreografia: Gabriella Castro
Direção: Gabriella Castro
Elenco: Angélica Marques, Clara Verardi, Gabriella Castro, Fernanda Santos, Giovana Caierão, Isabela Borghetti, Karoline Masiero e Sofia Lilith
Sonorização: Driko Oliveira
Iluminação: Heloísa Bertoli
Produção: Karin Ruschel