segunda-feira, 17 de março de 2025

MUITA ÁGUA, IRONIA E BOAS REFLEXÕES

As enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul trouxeram muitos impactos, alguns deles com certeza ainda não revelados, estudados ou mesmo percebidos. Novas sequelas seguem aparecendo a cada novo texto, espetáculo, conversa e memória compartilhada sobre aqueles dias. Todos seguimos impactados mesmo que não saibamos disso.

Uma das melhores contribuições de Muita Água ao debate público é exatamente trazer estes efeitos à tona. Precisamos falar e refletir sobre o que aconteceu e segue acontecendo por nossas ruas, praças, casas, escolas, cidades, lares e vidas. A performance começa exatamente dando lugar ao público. Os três intérpretes/criadores estão sentados espalhados pela plateia e iniciam o trabalho perguntando para as pessoas quais são suas memórias sobre as enchentes. Pequenas rodas de conversa se formam na plateia e as pessoas dividem suas experiências. Após ouvir dois ou três relatos, os intérpretes Juliana Vicari, Fabiano Nunes e Cibele Sastre se levantam e vão para a frente do palco onde falam sobre os dias de abrigo na ESEFID. A partir daí, eles colocam galochas de plástico, capas de chuva e sobem para o palco.

No fundo da cena, vemos um monte de lixo formado por entulhos, pedaços de móveis, casas e outros objetos que um dia tiveram significado e constituíam as vidas de pessoas. Uma voz em off começa a contar como foram aqueles dias. Um texto muito bem elaborado, irônico e informativo, que nos confronta com aquelas memórias e também provoca reflexões, ao  apontar as causas e os possíveis responsáveis pela tragédia prevista ter tomado as proporções que teve. A grande quantidade de água, o barulho da chuva e dos helicópteros, a enxurrada de desinformaçóes e mentiras, o cavalo Caramelo, a ausência de planos para enfrentar o desastre pelas diferentes esferas do poder público, a enorme corrente de solidariedade, nada ficou de fora do texto que vai provocando as construções cênicas dos três intérpretes.

Um espetáculo de estética simples, sem um figurino elaborado nem grandes momentos coreográficos, mas muito impactante nas imagens que os intérpretes compõem a partir do texto inteligente, ácido, político e engraçado, cada coisa na medida certa. O mais importante de tudo, a meu ver, um espetáculo que reflete sobre algo que ainda nos impacta e que muitos de nós ainda não conseguimos refletir sobre.


Ficha técnica de Muita Água

Criação e performance: Cibele Sastre, Fabiano Nunes e Juliana Vicari
Criação e operação de luz: Carol Zimmer
Técnico de luz: Carlos Azevedo
Produção e operação de áudio: Pedro de Camillis
Pós-produção de som: Phillip Schmiedt
Assessoria de imprensa: Aline Fiabane e Porto Verão Alegre
Texto e locução: Fabiano Nunes
Ilustração e design gráfico: Gabriel Rischbieter
Animações: Lua Marinho
Criação ambientação sonora: Cibele Sastre, Fabiano Nunes e Juliana Vicari