quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

TENTATIVA DE RETOMAR A ESCRITA

Depois de um período onde a falta de tempo imperou por aqui, estou novamente tentando escrever alguma coisa sobre algo. Escrevi mentalmente umas três ou quatro crônicas durante este tempo em que estive ausente, mas o ritmo acelerado dos dias nos quais vivemos me impediu de colocar elas neste espaço que creio já ser ultrapassado. Apesar disso, retomo a escrita motivada por uma oficina de crítica de dança expandida para a qual me inscrevi. Estou, portanto, juntando a vontade um tanto reprimida com a necessidade de escrever sobre experiências vivenciadas.

No dia 24 de novembro de 2024, assisti ao espetáculo, ou melhor, palestra dançada, Gordança, uma pesquisa e espetáculo da bailarina Renata Teixeira na Zona Cultural em Porto Alegre. O local onde o espetáculo ocorreu contribui bastante para a boa experiência, já que, no início da cena, Renata chega pela plateia, como pesquisadora, perguntando aos presentes se estavam ali mais pela palestra ou pela dança. Afirmo que o local ajuda, pois a Zona Cultural proporciona espaço cênico, mas também um bar, sendo possível comer e beber mesmo nas cadeiras destinadas ao público, o que torna a "espera" por este momento da pesquisa mais informal e agradável. 

Minha intenção aqui não é descrever o que ocorreu naquele domingo na Zona Cultural, mas salientar aspectos que considerei importantes. O fato de chamar o que assistimos em Gordança de "palestra dançada" é muito interessante, pois estas palavras descrevem exatamente o que ocorre na cena. Neste sentido, gostaria que os gestos que a intérprete faz enquanto fala fossem mais exagerados ou maiores. Talvez fosse interessante testar quais movimentos corporais aquelas palavras provocam. Pode ser algo discutível, pois entramos na velha e infindável discussão do que pode ser considerado ou não dança. Seria a amplitude, quantidade ou qualidade de movimentos fatores definidores da dança? O fato do tema ainda ser colocado em pauta e de seguir fomentando muitos minutos de discussões e elaborações sobre ele parece revelar que classificar o que é ou não dança continua sendo relevante para muitos, embora eu mesma considere este um assunto também ultrapassado.

Colocando esse detalhe de lado por não ser o foco destas linhas, Gordança traz pra cena um outro tema que julgo importante, um verdadeiro tabu na dança, principalmente na dança clássica: a gordofobia. Acho que todas as pessoas que estiveram em alguma aula de dança alguma vez na vida passaram por essa sensação de sentirem que seu corpo, forma ou peso não estavam adequados àquela prática. Os grandes espelhos, as imagens de grandes nomes da arte (todos/as pertencentes a um mesmo padrão físico), o contínuo reforço de um padrão a ser atingido e mantido, os modelos e tecidos dos figurinos, contribuem para que sigamos criando imagens e padrões mentais que reforçam a busca por uma forma magra, alta e longilínea. Já aprendi que não devemos falar do corpo do outro e que magreza não é sinônimo de saúde, bem como gordura não é sinônimo de doença, mas certos padrões construídos em anos e anos de aulas de ballet seguem presentes comigo e guiam olhares e gostos por certo não mais verbalizados, mas que seguem incorporados.

Apesar da pertinência e relevância do tema e das reflexões que ele suscita, acho que a palestra dançada desvia um pouco do foco quando a intérprete passa a relatar vivências relacionadas à sua mãe e avó. Eu entendo o momento como uma necessidade que nós mulheres sentimos de falar sobre as mulheres importantes das nossas vidas. Deve ser porque a sociedade patriarcal em que vivemos faz questão de esconder as conquistas e existências das mulheres. Em Gordança, no entanto, embora a "presença" destas mulheres nos demonstre como esses padrões físicos são impostos a todas, mesmo aquelas que não dançam, parece que, cenicamente e para o reforço da mensagem que julgo ser central à obra, a apresentação destas mulheres não se configura fator fundamental para a compreensão sobre a gordofobia na dança.

Por último, quero ressaltar a excelência técnica de Gordança, a encantadora presença cênica de Renata e a satisfação de ver um tema tão relevante e pouco comentado como a gordofobia na dança e na nossa sociedade ser colocado á luz de forma poética e engraçada, gerando boas reflexões e outras, como este texto, nem tanto assim. De toda forma, é bom retomar a escrita mesmo que ainda enferrujada, atrasada e desordenadamente.


Ficha técnica Gordança - uma palestra dançada:
Direção: Guadalupe Casal
Elenco: Renata Teixeira
Coreografia: Renata Teixeira
Dramaturgia: Renata Teixeira e Patrícia Fagundes, costurando textos de diversas autoras e referências
Criação de lux: Vigo Cigolini
Operação de luz: Anne Plein
Operação de vídeos: Ursula Collischonn
Desenho de som/trilha sonora e operação de som: Casemiro Azevedo
Criação e edição de vídeos: Renata Teixeira e Duda Rhoden
Cenografia: criação coletiva
Concepção de figurino: Renata Teixeira
Produção: Renata Teixeira e Renata Stein
Mídias e produção de conteúdo: Renata Stein
Arte gráfica: Luiz Argimon e Renata Stein
Fotografia cênica: Débora Koller
Assessoria de imprensa: Renata Stein

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